Parábola da Vaga na Creche

Um remix atual da parábola do Bom Samaritano: a procura angustiada de uma mãe por vaga na creche torna-se metáfora para tantas outras necessidades que encontramos na vida. Uma história que mostra como o amor cristão continua a transformar realidades através do trabalho social evangélico em Portugal, ecoando o convite de Jesus: “Vai e faz o mesmo.”

JUSTIÇA SOCIALMISSÃO E LIDERANÇA GLOBAL

9/2/20256 min read

Parábola da vaga na creche
Um remix de Lucas 10:25-37

“Ia um homem a descer de Jerusalém para Jericó. Caíram sobre ele uns ladrões que lhe roubaram roupa e tudo, espancaram-no e foram-se embora, deixando-o quase morto.”

Maria do Céu estava num momento difícil. Um problema grave de saúde tinha colocado a sua vida em risco, deixando marcas físicas e psicológicas. Agora, a filha de dois anos precisava de ir para a creche para que ela continuasse a trabalhar… mas como se separar dela neste momento? A filha precisava da mãe… talvez quase tanto como a mãe precisasse da filha.

Bem, mas tinha que ser; como tudo o mais na sua vida ultimamente, Maria do Céu era impelida por circunstâncias que não lhe deixavam grande escolha.

Por casualidade, descia um sacerdote por aquele caminho. Quando viu o homem passou pelo outro lado. Também por lá passou igualmente um levita que, ao vê-lo, se desviou.”

Reunidas as forças, Maria do Céu sai à procura de vaga. Há meia dúzia de creches na cidade – então pelo menos isso será fácil. Ela começa pela instituição de referência. Mal começa a falar, a rececionista corta-lhe a palavra secamente: “Não temos vagas!” Na segunda porta a que bateu, recebe uma resposta idêntica, quase sem olharem para ela. Em outra instituição, metem-lhe um papel à frente: “Volte cá com este formulário preenchido e com a sua declaração de IRS, e aí vemos se temos vagas.” Maria do Céu compreende com amargura: as vagas estão guardadas para pessoas com rendimentos superiores aos seus.

Sobra apenas a creche dos protestantes. Maria do Céu pensa: Será mesmo este o lugar para a sua filha? Ela nunca foi a uma igreja dos protestantes – aliás, há muitos anos que não vai a igreja nenhuma. Que será que ensinam ali? Mas, que outra opção lhe resta? Primeiro a doença, depois a ansiedade da separação, agora este sentimento de rejeição… o desespero é insuportável.

“Entretanto, um samaritano que ia de viagem passou junto dele e, ao vê-lo, sentiu compaixão.”

Maria do Céu toca à campainha da creche dos protestantes. Através da porta de vidro vê uma pessoa à secretária, que se levanta para lhe abrir a porta. Os nervos aumentam… “Bom dia! Faz favor?”, diz a senhora com um sorriso. Maria do Céu responde, muito agitada: “Bom dia – tem de me ajudar… Têm vaga para a minha filha?”

“Por favor entre e sente-se para falarmos. Quer um chazinho?” Com surpresa e os olhos rasos de lágrimas, Maria do Céu aceita.

Os golos de chá quente pontuam os espaços da conversa e dão a Maria do Céu tempo para acalmar. A funcionária mostra interesse pela vida e pelas circunstâncias dela. Há um formulário sim, mas será preenchido pela própria funcionária que lhe informa que há lugar para a sua filha. Maria do Céu pergunta, com surpresa: “Então e o IRS?” “Não se preocupe, isso vemos depois – aliás, é ilegal discriminar com base nos rendimentos.” A atenciosidade e o cuidado da funcionária, as informações sobre a rotina da creche e as respostas a todas as perguntas que fez, trouxeram a Maria do Céu uma tranquilidade que não sentia há anos. Sim, é mesmo aqui que a sua filha vai ficar… e surge na sua mente um pensamento: será que, ao contrário de ser empurrada para esta situação, ela não terá sido antes guiada? Haverá um propósito para os acontecimentos recentes? Para a sua própria vida?

“Aproximou-se, tratou-lhe os ferimentos com azeite e vinho e pôs-lhe ligaduras. Depois colocou-o em cima do seu jumento, levou-o para uma pensão e tratou dele.”

Os anos passam. A filha, agora no jardim de infância, tem alegria tanto em vir para a escolinha de manhã, como em contar aos pais como correu o dia: os projetos desenvolvidos com os colegas, a história bíblica, as brincadeiras. A funcionária, agora amiga, um dia pergunta a Maria do Céu se quer vir à igreja. Maria do Céu aceita o convite com a naturalidade com que foi feito: a vontade de pertencer a esta comunidade que ama através do seu trabalho social já lá estava. As idas tornam-se regulares; anos depois, Maria do Céu foi batizada e serve nessa igreja até hoje.

Para mim e para ti, esta é apenas uma história bonita. Para Maria do Céu, é a diferença entre o desespero e a vida abundante e eterna – vida plena de sentido, de amizade, de serviço e de esperança. Mas Jesus ainda não acabou de contar a sua história; continuemos.

“No outro dia, deu duas moedas de prata ao dono da pensão e mandou-lhe: «Cuida deste homem, e quando eu voltar pago-te tudo o que gastares a mais com ele.» ”

O serviço tem custos. Por vezes, custa dinheiro: uma creche (ou outro trabalho social) não se começa sem despesas. Mas o principal custo é um coração predisposto. O samaritano não pagou o custo quando teve que dar as duas moedas de prata: ele pagou-o quando teve olhos para ver um estranho em necessidade, quando escolheu ir de encontro à situação de carência em vez de a ignorar, como os restantes. O samaritano expôs-se; que riscos correria ao cuidar do homem? Naquele momento, apenas uma coisa importava: o amor que o samaritano demonstra de forma prática.

Em todas as histórias bem contadas, o que fica por dizer é tão relevante como o que é dito. Jesus termina a sua parábola sem uma indicação de gratidão da parte do homem socorrido. Não sabemos se aquelas foram as duas últimas moedas de prata do samaritano. Se sacerdotes e levitas souberam do acontecimento e, arrependidos, passaram a cuidar dos viajantes. Se continuaram a existir ladrões na estrada de Jericó, e se estes voltaram a cair sobre o mesmo homem. Todas são questões pertinentes – mas aqui, nada disso vem ao caso. Deus é amor – amor que não ama de longe mas vem ao nosso encontro. Que nada exige, mas tudo espera. E nós devemos agir como seus filhos. Este é o ponto de Jesus.

“Jesus perguntou então ao doutor da lei: «Qual dos três te parece que foi o próximo do homem assaltado pelos ladrões?» E ele respondeu: «O que teve compaixão dele.»”

Por vezes com prazer, outras (como o doutor da lei) contra vontade, o testemunho evangélico na área social tem tido o reconhecimento tanto de pessoas como de instituições que nunca poriam os pés num culto. Numa sociedade em que a palavra “cristão” está gasta e o termo “evangélico” adquire conotações indesejáveis, algo ainda é refrescante e bem-vindo: o amor cristão dos evangélicos.

“Jesus concluiu: «Então vai e faz o mesmo.»”

Aceitas o convite que Jesus te faz? Espero que sim. Não serás o único. Na Eunoia, por exemplo, reunimos mais de 30 organizações evangélicas, que servem mais de 16 mil pessoas todos os dias. Muitas outras iniciativas existem, formais e informais. Queremos ouvir falar de ti. Conhecer a tua história.

Pergunta a Jesus: Quem é o meu próximo? – não para te justificares, mas para o procurares servir ativamente.

Sugestão de leitura
Keller, T. (2016). Ministérios de misericórdia: o chamado para a estrada de Jericó. Vida Nova

A Eunoia – Federação Social Cristã Evangélica nasceu em 2021 para juntar organizações evangélicas que servem nas mais diversas áreas sociais em Portugal. Hoje já são mais de 30, de norte a sul, unidas por um mesmo propósito: viver e mostrar o amor de Jesus de forma prática. O nome vem de uma palavra grega que significa boa vontade (Efésios 6:7) – e é exatamente isso que queremos cultivar e espalhar.

No plano global, podes acompanhar a Rede Temática Liberdade e Justiça do Movimento Lausanne, que junta pessoas e projetos com a mesma paixão: servir como Jesus serviu.


Consulta também o resultado das sessões colaborativas que tiveram lugar no Congresso Lausanne 4 (Seoul, 2024) sobre o tema "Influência do Cristianismo na Sociedade".

Júlio Reis

Formado em Engenharia Informática e em Gestão de Organizações de Economia Social. Aluno do Seminário Teológico Baptista.

Coordenador de desenvolvimento na organização cristã de conservação A Rocha Internacional e dirigente da Eunoia.

Instagram: @paide4