É bíblico ter depressão?

Partindo da grande narrativa da redenção, descobrimos que homens e mulheres da Bíblia também enfrentaram tristeza profunda, melancolia e desejo de desistir. Elias, David ou Ana lembram-nos que a fragilidade humana não é escondida por Deus, mas transformada pela Sua graça. Hoje, quando tantos jovens e adultos em Portugal lutam com transtornos mentais, as igrejas são chamadas a abrir espaço para falar sobre dor e esperança, tristeza e alegria, à luz da Palavra. Porque a alegria do Espírito não nega a tristeza humana — transforma-a.

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8/26/20255 min read

É bíblico ter depressão?

Este título que à partida não parece sugestivo, e é talvez de resposta rápida para alguns, é uma provocação ao leitor. Será que é bíblico ter depressão? Se a pergunta fosse se seria da vontade de Deus alguém ter depressão, a resposta seria não. Quando Deus criou a humanidade, a Bíblia adjetiva-a como muito boa (Génesis 1:31). No estado inicial do homem e da mulher há um relacionamento imaculado entre Deus e estes, que permitia um equilíbrio espiritual, mas também mental e emocional da Humanidade.

A Queda e as consequências na saúde mental

No entanto, no estado caído, o que foi criado para ser perfeitamente equilibrado sofre com as consequência do pecado, e apesar de vivos, cada homem e mulher experimenta a morte (fruto da Queda) em diferentes dimensões, sendo uma delas a destruição da saúde mental. Neste contexto, pergunto novamente: é bíblico ter depressão?

A Bíblia conta uma grande narrativa de como Deus redime a Humanidade para Si mesmo, e para que percebamos esta redenção, o próprio Deus vai se revelando a homens e mulheres, como nós, na vida do dia-a-dia, para que eles e nós entendamos Quem é aquele que pode salvar perfeitamente e finalmente. É neste âmbito, em que Deus transforma situações, todas elas difíceis, e algumas delas improváveis, que encontramos casos de pessoas que são acometidas de “depressão”.

A Bíblia tem resposta para quem sofre de depressão

A Bíblia não tem interesse em catalogar a depressão como o DMS-5, e de facto, a terminologia “depressão”, tal como hoje a conhecemos, é um desenvolvimento do início do século 20. Antes disso, o termo mais comumente usado era “melancolia”. Assim, com a terminologia de melancolia podemos responder à provocação do título: sim, existem homens e mulheres na Bíblia, que pontualmente ou continuamente sofreram com melancolia, com tristeza profunda, perda de interesse e de prazer ou pessimismo.

E porque a “depressão” tem lugar na grande narrativa redentora de Deus, hoje podemos perceber como Deus lida com aqueles que tem depressão. Podemos ainda aprender mais. Podemos aprender como os filhos de Deus se podem relacionar com um Deus que entende o seu estado depressivo. O título quase provocativo é apenas para nos lembrar que a Bíblia tem resposta para quem sofre de depressão.

Um convite para a Igreja hoje

Eu escrevo este assunto, não duma perspetiva académica ou profissional, mas na perspetiva de quem enfrenta diariamente a depressão e os transtornos de ansiedade. Nós conhecemos histórias onde Deus transforma mulheres estéreis ou homens cegos, mas há espaço na Bíblia também para compreender como Deus cuida e transforma de pessoas depressivas.

É urgente que comecemos a pregar e falar sobre estas histórias – bíblicas - nas igrejas locais, para que as pessoas que sofrem da doença que foi apelidada como “a doença do século 20”, possam entender que Deus não se esqueceu delas, e que Ele continua com o mesmo poder para transformar noites de lágrimas em manhãs de alegria (Salmo 30:5).

Segundo a Coordenação Nacional de Políticas de Saúde Mental, órgão do Sistema Nacional de Saúde, 31% dos jovens em Portugal sofrem com transtornos mentais. Segundo esta estatística, podemos dizer que se uma igreja local tem 10 jovens, é estatisticamente provável dizer que 3 desses jovens sofrem de transtornos mentais.

Segundo a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, 1/5 da população portuguesa sofre com alguma perturbação mental. Portugal é o 2º país da OCDE com maior consumo de antidepressivos, e é mesmo o número 1 no que diz respeito ao consumo de ansiolíticos (Xanax e Valium, por exemplo). Porquê estes números? Estes dados mostram a urgência de trazer o assunto da depressão para o seio da igreja local e fazê-lo de uma forma intencional. É plausível que existam membros da sua igreja local que estejam neste momento a passar por transtornos mentais, como depressão ou ansiedade. E se isto pode acontecer na igreja, ainda é mais provável encontrar estas pessoas na comunidade envolvente à igreja local. Precisamos começar a contar, através da Bíblia, o que Deus já fez e pode fazer na vida de quem passa por momentos depressivos ou temporadas de melancolia. Se a Bíblia tem resposta a estas vulnerabilidades, o que estaremos nós a fazer ou mostrar se escondermos como a Bíblia responde a estas pessoas?

Para além disso, quando a Bíblia inclui os momentos dramáticos de Elias, David ou Ana, Deus abre espaço para que pessoas depressivas possam ser vistas e ouvidas. A Palavra de Deus mostra que não tem de haver vergonha nenhuma em desesperar ou pensar em desistir, e que quem o faz, encontra alívio no seu momento de fragilidade. As nossas igrejas devem também ser lugares para que as pessoas possam desesperar sem serem julgados e sem obterem respostas simplórias de uma positividade tóxica. Talvez para isso seja necessário uma mudança de cultura, que já está a acontecer em alguns países, onde por exemplo o “sad worship” é um fenómeno entre os jovens.

A tristeza que se transforma em Alegria verdadeira

Os cristãos são conhecidos pela sua alegria. E como essa é uma marca da ação do Espírito Santo, as igrejas devem ser um lugar de alegria.

No entanto, muitas vezes essa alegria nascerá de um lugar de tristeza, que foi solucionada por Deus, sendo assim uma alegria genuína, fruto da ação divina. Porque a alegria é fruto do Espírito Santo, talvez as igrejas pensem que a tristeza é fruto da carne, mas não encontramos isso em Gálatas 5. A tristeza é um antecessor da alegria que só pode ser dada por Deus.

Então, igrejas não devem ter medo de abrir espaços para pessoas melancólicas ou com depressão - não para serem condescendentes ou para encontrar soluções apressadas, mas para a igreja ser verdadeiramente um espaço onde a dor é sentida e entendida.

Quando isso acontecer, talvez possamos experimentar uma transformação, um reavivamento, da parte de Deus, numa sociedade que busca uma solução definitiva para a depressão.

Débora Hossi

Teóloga, formada em Economia e que trabalha com estratégia de redes sociais.

Serve como Coordenadora de Comunicações no Procurar Jesus e professora no Seminário Teológica Baptista. Congrega da Igreja Baptista de Coimbra.

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